Saúde mental dos empresários é algo que vem chamando a atenção de diversas esferas da sociedade, primeiro, porque são pessoas e saúde mental é algo que interessa a todos.
Um segundo motivo, é que num país onde cada vez mais pessoas se jogam ao empreendedorismo, ou imaginam empreender em algum momento, as referências assumem o foco e a situação vem à tona.
Vida de empresário não é realmente fácil, embora possa ser motivadora, interessante e recompensadora em muitos momentos, quase o tempo todo coloca a pessoa (o empresário), sob enorme pressão, com uma responsabilidade gigante sobre seus ombros, tão grande, ou até maior, que os benefícios que ele consegue colher em sua atividade.
Um período de pandemia, que ainda nem se esvaiu, chegou para colocar a saúde mental dos empresários à prova, pois se tudo era complicado e tenso, com o cenário de calamidade imposto pela COVID 19, ficou fervilhante e temeroso, e muitos realmente sucumbiram, enquanto outros enfrentaram e estão vencendo estes desafios.
Vamos entender o que mais afeta a saúde mental dos empresários e qual a melhor forma de lidar com isto.
Saúde mental dos empresários hoje é vitrine, primeiro, porque os empresários estão no topo empregador da cadeia econômica de qualquer nação, e isto oferece visibilidade.
No Brasil o problema é mais evidente, pois foi criada uma espécie de caricatura sobre o que é empreendedorismo neste País de tantas contradições.
A imagem global que se tem associada aos empresários é de conservadores, autoconfiantes, e inabaláveis em relação aos seus negócios e atuação.
Ocorre que ali estão pessoas, e por mais incrível que pareça, não pousaram de espaçonaves vindos de outra galáxia, sendo, portanto, humanos, como todos nós.
Obviamente são impulsionados por um espírito empreendedor, de realizar resultados a partir de habilidades e oportunidades, enquanto a maioria de nós, é treinada, através de um sistema de educação arcaico, para sermos empregados.
Por isto os empresários se destacam naturalmente.
Um olhar mais atento tem potencial de demonstrar como a rotina dos empresários pode ser cruel e devastadora.
Começa que um empreendedor não tem horário, trabalhando ferrenhamente, até quando está dormindo, pois invariavelmente, dormir é algo que ele deixa de conhecer, ao menos na versão plena do sono, já que acorda diversas vezes com alguma “preocupação da vez” latejando em seu cérebro.
Todos trabalham muito além do que os demais mortais, se comparados ao clássico (e odioso) padrão CLT.
Não existe um estudo específico sobre isto, mas se conhece vários casos de empresários que trabalham algo como 14, 16 horas por dia, ou seja, todo o seu tempo acordado, e é reconhecido que a maioria nunca trabalha menos de 12 horas num dia convencional.
Por si só, este já é um ponto que afeta diretamente a saúde mental dos empresários, pois a rotina passa a ser não ter rotina.
Claramente, não ter rotina, que para uns pode ser um problema, para outros é uma cura.
Um funcionário público, ou burocrata, por exemplo, que passa os dias carimbando e dando fluxo a intermináveis papéis, é aconselhado clinicamente a “sair da rotina” para reconstruir sua saúde mental.
O interessante é que o empreendedor daria tudo por alguma rotina, onde o seu controle estivesse estabilizado, algo que, normalmente, ele não conhece.
O SEBRAE traz dados interessantes sobre o empreendedorismo no Brasil, a maioria já é sabida e reconhecida, como o fato de que mais de 95% dos negócios em atividade no País são representados por micro e pequenos empreendedores, acumulando também, 52% dos empregos ativos.
Se encontra muita discussão sobre a saúde dos empregados, mas se houve falar muito pouco, ou quase nada, sobre a saúde mental dos empresários.
Empreendedores precisam exercitar constantemente as suas habilidades, e mais que isto, precisam estar sempre em expansão de conhecimentos, técnicas e tecnologias.
O caminho não costuma ser fácil ou confortável.
Um padeiro de qualidade, reconhecido por seu talento e resultado de seu trabalho, em algum momento resolve empreender e abrir seu próprio negócio.
Uma nova realidade se posiciona diante dele.
Agora o papo vai muito além de suas habilidades conhecidas e reconhecidas.
Suas preocupações passam a envolver o incerto e não sabido, como investimentos para estruturação do negócio, aspectos burocráticos, perspectivas de mercado, concorrência, fluxo de recursos para a operação e para a própria existência do empreendimento.
Custos, faturamento, redução de prejuízos, busca de capital de giro, cobrança, inadimplência, tributos, legalização das atividades, fiscalização, pessoas, comportamentos, qualidade, e tantos outros aspectos envolvidos num empreendimento.
Muito pouco ou quase nada disto é ensinado, e mesmo que seja, na prática a teoria é bem diferente, sem considerar que nosso amigo padeiro, sequer tem tempo para aprender formalmente tudo isto.
Todo este conjunto que surge do dia para a noite, tão logo ele pense em ser um empreendedor, se transforma, automaticamente, em poderosos gatilhos de estresse, e vão acompanhá-lo por todo santo dia, sem exceção, enquanto ele mantiver aquela iniciativa.
A chegada da pandemia agravou muito o cenário e o estresse veio junto neste turbilhão.
Não pense que empresário tem prazer em demitir, pois não podemos esquecer algo relevante que já mencionamos acima, são humanos.
Demissões, incertezas de mercado, viabilidade econômica do negócio diante de um cenário praticamente sem receitas e com as dívidas e compromissos em plena vitalidade.
Sem contar o monstro do governo com sua mandíbula cheia de dentes afiados dando bocadas cada vez mais profundas na alma do empreendedor brasileiro.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) lançou um estudo que demonstra que 36% das empresas ampliaram suas dívidas durante a pandemia, e o PRONAMPE, um programa de manutenção de emprego, deu crédito a mais de 500 mil micros e pequenas empresas.
Obviamente o governo não fez isto por ser bonzinho, pois se o emprego caísse na forma brutal como se apresentava, o bolo para suas mastigadas seria menor e a distribuição dos privilégios ficaria comprometida, e isto eles não poderiam admitir.
Pouca gente se preocupa com a saúde do camelo que transporta todo mundo no deserto.
Normalmente esse tema vem à tona quando o camelo sucumbe e não se levanta mais, e mesmo assim, a preocupação com o camelo é ZERO, já que o que importa mesmo, é que os “bonitinhos” terão que andar a pé no calor e na areia inclementes.
O próprio camelo não consegue se cuidar e proteger como gostaria, já que está carregado com carga e gente até o pescoço (inclusive).
O empresário (o nosso camelo), não costuma cuidar da saúde, nem física e nem mental, por absoluta falta de tempo e prioridade, o que faz apenas quando algo para de funcionar, tipo, coração, mente ou ambos.
Um empresário está focado no seu empreendimento, pois ali está seu patrimônio, seus sonhos e projetos de vida.
Sua responsabilidade constante em tomar decisões, a pressão que não alivia nunca, todo o peso que incide diretamente sobre suas costas (como do camelo), requerem uma entrega absoluta à sua atividade, e todo o resto vem depois.
Existe uma frase que condensa uma realidade dura e inclemente: “Um empreendedor gasta sua saúde para ganhar dinheiro, e acaba por gastar dinheiro para tentar recuperar a saúde!”
O mais triste em toda esta realidade, é o conceito de POSITIVIDADE TÓXICA, uma espécie de imposição de um estado de espírito onde não cabe ao empresário o direito de sofrer, ter incertezas e inseguranças, muito menos “fraquejar” (termo que chega a ser pejorativo e ofensivo).
Uma das exigências ao empresário moderno, é que ele seja sempre positivo, motivado, agregador, determinado, sorridente, criativo e feliz.
Vão para o raio que os parta os definidores de tal posição.
A saúde mental dos empresários vai para as cucuias, como a do camelo, quando você coloca a aldeia nas costas dele e determina que ele precisa atravessar o deserto, com tudo nas costas, sem tomar água por 15 dias, e ainda exige que ele não reclame, não resmungue, não pare, não sofra e não sue.
É por traz desta imagem utópica de positivismo que os problemas de saúde mental dos empresários se escondem e se reforçam, pois de novo, esquecemos de algo que já dissemos logo acima, mas repetimos: são humanos.
O primeiro cuidado é humanizar a visão fantasiosa de superpoderes e positivismo exagerado, pois esta também é uma fonte agravadora do problema, que em nada ajuda, a não ser, afastar as percepções de realidade e piorar as condições de saúde mental dos empresários.
Uma empresa especializada em temas de INOVAÇÃO, chamada TROPOSLAB, resolveu realizar um estudo aprofundado sobre a saúde mental dos empresários, considerando o impacto da pandemia na vida comum.
O trabalho foi desenvolvido com o apoio científico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e analisou a realidade de 653 empresários, todos brasileiros e inseridos na nossa realidade.
De todos os analisados, 51,1% disseram que tiveram a vida afetada de alguma maneira pela pandemia, e mesmo assim, afirmaram se sentir bem, na maior parte deste período.
Outros 24,9% alegaram terem sido afetados de forma muito devastadora e manifestaram reflexos e consequências disto.
Um percentual de 15,6% dos entrevistados relatou a necessidade de acompanhamento profissional no cuidado com sua saúde mental e mencionaram o fato de terem passado a consumir medicamentos específicos de controle psiquiátrico, em diversos níveis.
Um relato importante resultante deste estudo, parte da diretora de cultura da TROPOSLAB, Marina Mendonça, que diz que “os sintomas de doenças psicológicas aumentam à medida que o rendimento familiar cai, mas quando o empreendedor percebe que possui estratégias pessoais para lidar com os desafios trazidos pela pandemia ao empreendimento, os níveis de adoecimento caem violentamente.”
As mulheres empreendedoras apresentaram maior intensidade nos níveis de ansiedade, chegando a 28,5%, enquanto os homens se mantiveram a 22,2%.
Estresse também foi mais relacionado às mulheres, num total de 5,36% das constatações, enquanto para os homens empreendedores, 5,22% foram impactados.
No caso de depressão as mulheres se destacaram muito à frente, com 10,4% de casos, enquanto os homens estabilizaram em 3,4%.
O mesmo estudo aponta que 80% dos empreendedores apresentam sinais de estresse, mas em níveis considerados baixos, e possuem associação à depressão e ansiedade, enquanto 4 a 6% possuem níveis severos destas manifestações.
Do conjunto analisado, 13,8% responderam com SIM para depressão e 50,7% disseram SIM para ansiedade.
A maior presença de sintomatologia foi identificada em São Paulo, Goiás e Distrito Federal.
Uma conclusão relevante do estudo demonstra que empresários com planejamento de contingência responderam melhor aos desafios da pandemia, o que demonstra que o planejamento empresarial é um preventivo para problemas relacionados à saúde mental dos empresários.
O presidente do SEBRAE, Carlos Melles se referiu aos resultados do estudo da seguinte forma:
“Os empreendedores que têm maior propensão a planejar suas ações, além de garantir maior chance de vida ao seu empreendimento, também conseguem reduzir os efeitos negativos da pandemia sobre sua qualidade de vida”.
Basicamente, as questões de saúde mental dos empresários estão associadas com o aspecto humano, que é inerente a todos nós, independente da condição de ser, ou não ser um empresário.
Tratar a pessoa, portanto.
O impacto do cotidiano, com ou sem pandemia, na saúde mental dos empresários costuma ser mais avassalador, dadas as circunstâncias com as quais eles lidam todos os dias, num cenário que já esboçamos neste conteúdo.
O princípio de melhoria das condições de trabalho é o caminho para iniciar uma mudança positiva nos aspectos de saúde mental dos empresários e este deve ser o foco.
Ocorre que não é fácil, pois se fosse, já seria prática comum e o problema não teria atingido estas proporções.
Numa análise superficial, precisamos definir que a saúde mental dos empresários depende basicamente, da mente do empresário.
Um novo reposicionamento mental.
Modo soldado
Um exemplo de reposicionamento mental é aquele construído sobre metáforas e o MODO SOLDADO é uma poderosa metáfora transformadora.
O modo soldado simboliza o comportamento de um soldado em meio ao desafio da batalha.
Um aspecto que o soldado tem aprimorado em seus pesados programas de treinamento é a ATITUDE MENTAL, afinal, estamos falando de alguém que está prestes a enfrentar uma batalha, em condições extremas, onde o custo de suas ações, quando positivas, é a vida do adversário, e quando negativas, é sua própria vida, ou de seus aliados e amigos.
Por isto a disciplina e a preparação mental são tão relevantes no ambiente militar.
Os soldados viram seres programáticos e carregam o ensinamento fundamental que se sobrepõe a qualquer adversidade:
“Faça o melhor que puder, com os recursos que tiver ao alcance, cumpra a missão e não desista nunca, porque você é forte e preparado para vencer.”
Esta é a orientação de um soldado, um indivíduo preparado para suportar as maiores adversidades, enfrentar os piores desafios, e ainda assim, não desistir nunca, jamais tirar o foco da missão e saber se virar com aquilo que tem ao alcance.
Certamente não é saudável viver o tempo todo assim, pois isto também é fator de pressão, o que o soldado faz, é se preparar melhor para suportar estes desafios, não significando que isto não gere impactos emocionais importantes, tanto que soldados que retornaram de guerras costumam apresentar variados tipos de transtornos sérios.
Uma dose deste perfil mental, no entanto, de forma equilibrada, é uma base de sustentação consistente para uma preparação da mente e uma prevenção aos problemas de saúde mental dos empresários.
Antever as situações, não se desesperar diante de problemas sérios (ou nem tanto), já diminui expressivamente a produção de cortisol, hormônio do estresse, minimizando as tensões, limpando a mente para decisões importantes em momentos delicados.
A pressão não desaparece, mas diminui.
Dentre tantos desafios cotidianos, talvez seja relevante ao empresário se permitir mais um, que é o de se desafiar a encontrar um tempo religioso para cuidar de si, basicamente em 2 aspectos inadiáveis: cuidado com a saúde e entretenimento.
Atividade física e saúde
O cuidado com a saúde pode envolver a atividade física, pois não é possível ignorar que o corpo é o veículo da mente, e qualquer espécie de colapso inviabiliza a máquina humana, daí sim a vaca vai para o brejo.
Manter atividade física regular e cuidar da saúde do corpo, é cuidar da saúde da mente e proporcionar uma “ferramenta” mais poderosa e eficiente para atingir as metas necessárias, do ponto de vista profissional.
Podemos afirmar, com segurança, que fazer uma atividade física é mais importante para o negócio do que pagar uma conta ou resolver um problema administrativo, qualquer que seja a situação.
Entretenimento
O entretenimento é outro elemento de construção da saúde mental que não pode faltar e é inadiável.
Seja qual for a preferência, é preciso encontrar tempo razoável para dar sentido à vida com associação ao prazer, e isto requer tempo.
Não se trata de ignorar a dinâmica do elemento vivo que é a empresa e suas demandas, mas saber administrar este contexto de forma que ele continue inserido na realidade do empresário, mas não seja a realidade absoluta e completa desta pessoa, apenas parte, relevante, importante, mas uma parte.
O conjunto de recursos
De resto, manter visitas regulares ao médico, cuidar dos dentes, da aparência, pois estética faz parte da autoestima, fator determinante da motivação.
Aprender sempre e se tornar um conjunto de conhecimento ativo útil para sua atividade, e no contexto de conhecimento, saber viver bem, saber enxergar a positividade da vida, tudo isto é parte da composição da saúde mental dos empresários.
Saúde mental dos empresários está ligada à compreensão dos valores da vida, do que realmente importa e de como lidamos com nossos medos, inseguranças, problemas, dúvidas e inconsistências diversas.
A vida é uma jornada, muito simples, que é sobreposta de desafios e dificuldades impostos pela característica evolutiva da humanidade.
Desde que éramos apenas mamíferos, ainda com uma faísca de consciência primitiva, já éramos competitivos e queríamos os melhores campos de caças, os melhores pares, as melhores companhias e isto nos impulsionou a chegarmos aonde estamos hoje, como espécie.
Este mesmo perfil competitivo se manifesta claramente em todas as nossas relações.
Ainda competimos ferrenhamente por espaços.
Ainda guerreamos por ideologias, crenças e dominância.
Ainda cortejamos nossos pares e nossos interesses amorosos em disputas competitivas com outros interessados nas mesmas pessoas.
O ambiente corporativo é o cenário de quase todas as realizações humanas, já que mesmo no clima alegre das férias naquele resort, na jantinha íntima entre dois apaixonados, ou nas comemorações festivas dos grandes grupos, os recursos que possibilitam isto tudo, nascem e partem do universo corporativo.
Não ter sucesso na vida profissional resultará em menos recursos para usufruir do status social e econômico que a sociedade cobra, em troca de uma maior aceitação.
O desempenho profissional também expõe hierarquias no ambiente corporativo, e parâmetros como “fulano é melhor que beltrano”, passam a permear as sensações e relações humanas naquele lugar, e os impactos são diversos, tanto para quem vence, quanto para quem não vence tanto assim.
O ambiente social se acomoda sobre estes pilares.
Ocorre que com o empresário, o empreendedor, tudo isto incide com muito mais intensidade e a maior parte das variáveis está fora de seu controle.
Sua posição é de liderança, mas sua atitude, muitas vezes, não é.
É dele que têm que partir as decisões, que podem gerar soluções ou desvios.
Ninguém está mais exposto que um empreendedor, já que é nele que reflete toda a pressão de cada pequeno parafuso desajustado de seu empreendimento.
É esta a fonte da maior parte dos problemas de saúde mental dos empresários e é isto que deve ser considerado quando pensamos em melhorar esta condição.
Olhar para o ambiente corporativo como uma usina propulsora, que deve ser controlada, de forma a não gerar situações extremas, que carreguem tensões sempre constantes e progressivas, levando os responsáveis a níveis permanentes de estresse.
Planejar, organizar, estabelecer processos, métodos, controles, profissionalizar, aprender sempre, se cercar de pessoas competentes, trabalhar com meritocracia, estabelecer segurança através de poupança e investimentos, construir networks, em redes positivas de relacionamento, com potencial agregador de conhecimento e soluções, todos estes são aspectos que devem ser estabelecidos como metas prioritárias das empresas, pois será a partir deste conjunto organizacional, que se criará condições perenes de equilíbrio nos negócios e ambientes corporativos, o que tratará, daí sim, uma condição verdadeira de melhoria das condições de saúde mental dos empresários.